domingo, 18 de setembro de 2011

O Reencontro

Ela reencontrou seu passado, conversaram por algum tempo. Nem muito, nem pouco, o suficiente. Ele lhe mostrou aquilo tudo que ela havia esquecido, mostrou-lhe seu verdadeiro reflexo. A fez parar de acreditar em suas próprias mentiras, trouxe a tona tudo que ela já sabia.

Ela não lhe disse uma palavra, deixou que ele contasse as novidades de sua vida, a vida dela. Ele lhe contou tudo que estava passando na vida desta, seus desejos, suas vontades, seus sentimentos... Relatando a vida dela com mais precisão do que ela mesma, ele via de fora, de dentro para fora, via através de tudo.

Ele era um velho conhecido, falava com um sábio, falava como quem tem uma longa trajetória, como quem vem de longe para mostrar o que não se quer enxergar. Contou os pequenos segredos escondidos em meias palavras... E assim partiu, transformando tudo para como na verdade é. 

Torna-te quem tu és

domingo, 11 de setembro de 2011

A Alpinista

Há seis anos na beira do abismo,
Há seis anos pendurada por um fio,
Finalmente:
a
Q
U
E
D
A

. Ao rolar pelo precipício, muitas coisas ela trouxe para baixo consigo.

Já havia sido alertada por outro alpinista dos perigos; este conhecia a prática, diferentemente desta que sabia muito, mas apenas da teoria, da observação, de anos de estudo... Os quais caíram por terra ao lado dela.

Ela havia se voluntariado a queda, era a única forma de tentar escapar, de sair daquela situação... Era arriscado, mas caso ocorresse tudo como ela desejava, conseguiria subir e finalmente chegar ao topo, finalmente poder descansar... Poder, enfim, admirar sua conquista, a bela paisagem, passar a noite lá em cima, ver as estrelas e voltar para casa com uma alegria que em si mesma não caberia.

Mas infelizmente, sua busca desesperada por uma forma de sair daquele impasse foi errada, e lá está ela a descer o morro, levando consigo pedras e terra, tentando inutilmente se agarrar na vegetação, levando esta consigo, para fim do abismo.

Sentiu então sua pele dilacerar com as pequenas pedras em sua pele cravar, sentiu o atrito, sentiu a ardência. Não tentou mais escapar, achou melhor aceitar. Por muito tempo havia pensando no que fazer; agora não a restava mais nada senão sentir a queda. Buscou então alguma volúpia masoquista recordando-se de uma frase contida em um dos romances do sábio Goethe “Não há alegria sem dor, dor sem delícia”.

Só lhe restava esperar a queda acabar, reunir suas coisas e partir. Ir para casa desinfectar suas feridas, verificar o que foi quebrado, tirar toda a terra de si... Borrifar álcool 70° com um sorriso sarcástico e aguardar a cicatrização, enquanto isso: aproveitar. Verificar que de fato há sangue em seus vasos, verificar que de fato continuar viva. Aguardar o retorno, contar para os amigos. Mostrar as cicatrizes e ouvir a velha pergunta “Mas valeu a pena?”. Não encontrar resposta, não há resposta, não nem o sim, nem o não estão corretos, não há certo ou errado.

Por fim, brindar o fracasso com uma água tônica e sentir o sabor da vida.

quinta-feira, 8 de setembro de 2011

Anamnese

Ela adentrou o consultório com um medo quase infantil, roupas adolescentes, um jeito desalinhado, cabelo despenteado e olhar indiferente.
Sentou no divã como quem senta na cadeira do dentista, sem dirigir nenhuma palavra ao analista...
(Psicólogo, psicanalista, psiquiatra... Nem ela mais sabia; poderia até ter recorrido, por engano, a um neurologista ou neurocientista...)
Sentou-se de modo sem jeito e seco; sentindo-se como uma mulher em sua visita rotineira ao ginecologista... Sentia-se tanto ou mais exposta que em tal circunstância.