domingo, 29 de agosto de 2010

Rosemary faz as malas

Vou-me embora... Para Pasárgada ainda não, é tarde demais, nos dias atuais encontraria apenas um sítio arqueológico, outra que alcalóides não me interessam, não utilizo nem a tão querida por todos: cafeína. Nem aprecio a maligna nicotina...

Mudar-me-ei para perto da praça, mas espero não rever aquela velhinha alimentando os pombos, até ai tudo bem se ela não pegasse a bengala e tentasse os acertar em quanto gargalhava com uma boca sem dentes...

Vou sair do cortiço que vivo: um prédio antigo típico da trilogia do apartamento de Polanski. Espero não mais acordar com a cama da vizinha de cima a ranger cada vez mais rapidamente até parar, esperar uma meia hora e retornar, outro vizinho diz que ela ganha para isso, o que não me interessa e preferia não saber. Não mais serei acordada pela vizinha de baixo que sabe o horário que chego e saio, a qual me acorda e irritada pede para eu fazer silencio. Não escutarei mais o vizinho imitando Fudêncio fazendo um discurso de ganhador do Oscar, nem sentirei do nada cheiro de maconha, ou alguém assobiando Guns.

Numa dessas acordei por volta das quatro horas da manhã de um dia útil com a voz e o choro de uma mulher desesperada a qual dizia: “Oh meu Deus, o que foi que eu fiz?”. Eu pensei “Minha nossa, ela matou o marido e se arrependeu”. Mas não, isso era apenas uma das muitas brigas que viriam dali para frente.

Aqui o pessoal é bem diversificado, tem gay, lésbica e travesti, tem estudante, filhinho de papai... Renderia tudo isso uma bela história desse prédio tão antigo, mas o que eu fiquei sabendo foi por mero acaso, por mim preferia não saber de nada disso, mas ai não teria essa história para contar. Acho que enfim poderei dormir em paz.

quinta-feira, 5 de agosto de 2010

Encontro boêmio

Ela era loira, tinha o cabelo curto daqueles sob medida para poucas mulheres de coragem, um cabelo loiro com um corte fácil de arrumar. Estava sentada próximo à porta do bar, extremamente arrumada usando um vestido preto colado de um material reluzente, algo entre o vinil e o couro, de um gosto um tanto quanto sadomasoquista, ostentava um sapato de salto agulha o qual alongava ainda mais suas pernas.

Tudo isso me deixava com um insistente pensamento: O que estaria uma pessoa com toda essa elegância em um bar vagabundo onde se vende bebida batizada e só aparecem pessoas estranhas? Ela parecia estar no local errado, esperando pela pessoa errada. Demonstrava sua raiva contida ao olhar para a porta como um olhar superior, tal qual de uma juíza a dar um veredicto. Minha intenção era ir lá e puxar um assunto, mas o último cara que foi falar com ela saiu disfarçando a vergonha e as lágrimas.

Sinto então raiva de não saber desenhar, a qual vez que outra me aflige profundamente. Se soubesse reproduzir aquela imagem que observei a noite inteira teria uma obra prima. Fotografia também seria uma ótima forma de guardar o momento, e uma ótima forma de morrer também, discreta como só eu sou.

Quando o bar estava quase fechando fui embora sem saber o final daquela história da mulher que esperava sem ter horas, esperava incomunicável, sem celular, sem bolsa e nem mais nada. Que apenas esperava tomando um copo de água. Acho que no fundo ela tinha o mesmo perfil dos freqüentadores do bar, só eu que tanto olhei que não percebi.