segunda-feira, 28 de março de 2011

O Soar da Campainha

Ela estava em casa, entediada quando escuta-a soar, escuta, uma, duas, três vezes... Sempre quem costuma tocar é uma amiga da sua companhia de despesas... Mas desta vez ela não está, logo não sabe bem o que fazer...  Se fosse na sua antiga casa, sabendo que a pessoa procurava por sua mãe e esta não se encontrava, apenas se fingiria de morta e continuaria esticada no quarto sem movimentar nenhum músculo estriado, apenas o cardíaco e aqueles necessários para a respiração. 

 Mas desta vez, na esperança de algo afastar seu tédio resolve atender: quem sabe alguma visita inesperada para retirar esse vazio da alma, para gastar essa energia que de tão acumulada se tornou inerte?! Seus amigos faziam meses que não a vinham ver, quem sabe alguém resolveu testar se ela ainda compartilhava esta sala de espera chamada Existência...

Mas tal atitude não era muito do feitio destes. E ela muitas vezes na solidão da antiga casa se deparava com o pensamento de uma morte sorrateira, com as vizinhas reclamando do fedor de putrefação, e sendo este o único indicativo de sua morte, além, é claro da falta do pagamento do aluguel. A vigilância sanitária sendo chamada, nada podendo fazer, a ordem de despejo... Todos os tramites legais, a porta arrombada enfim. A notícia no elevador do prédio, no jornal sensacionalista da cidade, aqueles em que se aperta e sai sangue... A violação de sua privacidade póstuma... Privacidade aquela tão bem mantida que lhe custou o esquecimento, de tudo e de todos. A notícia de sua morte utilizada então por um cachorro em algum canto da cidade ou viajando ao embalar alguma coisa mais frágil do que ela... Noticia descartável. A rede de informações a passar, fofocas, redes sociais... Até atingir alguém  que costumava conhecê-la, e então o franzir da testa, o sobrecenho enigmático, como se isto auxiliasse as sinapses... E enfim a recordação “Ah, acho que me sei quem foi esta... Ela era meio estranha, sempre andava rápido, as pessoas faziam piada dizendo que ela corria como o Naruto... Mas nunca vi ninguém falar diretamente com ela... Creio que fosse um tanto quanto anti-social, sempre estava no seu mundo com fones de ouvido ou com um livro do Dostoiévski... Morreu jovem, apesar de ter a alma de uma velha... Pobre criança.” Béééé! A campainha lhe trás de volta a superfície do mar gelado de seus devaneios.

A capainha tocava pela última vez, ela vai até lá, correndo, como se quisesse evitar aquele pesadelo imaginativo. Ela abre a porta e busca ver quem estaria lá como testemunha de sua existência. O ímpeto é dilacerado, mais uma vez, não era para ela. Era o filho mais novo da senhorinha que mora ao lado.
Pensa neste instante que a vida até pode ter seu sentido, mas não para ela. Quem sabe algum dia seja para ela. Dia no qual provavelmente alguém tocará na sua porta, provavelmente algum levando a palavra de D... Digo, da igreja a qual ela pertence. Ela e senhora D, derrelição... Mais uma coisa em comum, e ela volta a recortar seus peixes de papel pardo.

2 comentários:

gui disse...

gostei. tiraria a nerdice do primeiro parágrafo e alguns vocábulos muito "acadêmicos". mas do mei até o final engrenou bem. e não teve nostalgia! :O hahaha!

Natallie disse...

O desenvolvimento do pensamento foi bem feito, a história em si prende bastante, gostei da leitura, talita :D